A resposta pode estar no avesso

quarta-feira, 31 de agosto de 2011 · 2 comentários

Os últimos anos testemunham uma avalanche de obras voltadas exclusivamente para a autoajuda. [Nada contra.] Nem contra as editoras, muto menos contra os leitores. Menos ainda contra os 'pobres' autores que, de 'pobres' mesmo, já não têm nada. Mas essa realidade - não só de mercado, econômica, sociológica e etc. - não deixa de representar um golpe na humanidade. Sim, um golpe. Porque tanto o homem de letras quanto o matuto, instruído na ciência do dia a dia, reconhecem sua pequenez diante de um universo 'intocado', de um planeta em colapso, de uma mente ainda perdida, mesmo 'vasculhada' pela psicanálise, de fato: o Ser ainda continua tão incógnito quanto as incógnitas com as quais trabalha.

Urge então, no coração de cada um, e com tamanha ferocidade, a velha-nova carência de [re]encontrar o sentido da existência. Que sentido é esse? Será que a vida é um pêndulo que, uma vez recebendo o primeiro impulso, assume, resignadamente, a função de embalar o tempo dentro de si mesmo, enquanto permanece na condição de observador-observado? Nada mais longe de minha pretensão do que dissertar um "a" que seja sobre as tendências 'inatas' do homem a ribombar suas catarses, quer no primeiro grito do passado, quer nas poesias medievais ou nos 'enter's' internetizados da 'pós-modernidade'. É uma 'loucura' pensar na vida. Esse labirinto de 'interditos', 'liberdades', buscas incessantes e 'clausuras'. Tanta gente presa num 'tridimensional cósmico': 1) olhos obrigatoriamente atados ao presente; 2) mente dividida entre o passado, presente e futuro, resultando em 3) pés e mãos algemados por uma angústia tosca, ancorada na superfluidade dos desejos e caprichos.




E então, imerso num mar de lama de que é composto o caos da instabilidade existencial - se é que existe uma - a criatura ergue os braços, na busca pelo rompimento das incertezas e inseguranças que molestam seu coração a cada segundo, faz sua prece, acende sua vela, canta sua canção de revanche contra a tristeza, faz promessas, jejuns, lamuria sua desonestidade social - e individual - e enfim, vê se esgotar mais uma cota de sua vividez; assim, percebe a dificuldade de enxergar o que há poucos 'dias' parecia tão nítido; o atleta sente pesar-lhe a caminhada, mesmo pequena; a luz do sol parece não ser suficiente. Mais uma vez vitórias implicam derrotas, inundações implicam aridez, e o sentido da vida permanece oculto em conceitos, dogmas, doutrinas e teorias. Não sei a resposta de muitas coisas. E muitas outras ainda permanecerão obscurecidas pela mediocridade de um espírito insolente à procura da bondade e da alegria.

Os últimos anos testemunham um olhar exclusivamente superficialista. Na totalidade de seu desinteresse o olhar desatento talvez nem perceba que a 'vida' pode não estar sendo vivida do lado certo, assim como a roupa que se veste ao avesso. Quem sabe um olhar [também invertido, também 'avesso'] inverta tantas situações de desconfortos emocionais, que tanto têm invertido um mundo avesso à simplicidade, à harmonia e ao reconhecimento de que todas as coisas - apreensíveis ou não - não passam de flechas, cravadas que serão no alvo certo tão logo percebamos o quão próxima de nós está a resposta a questionamentos os mais diversos.


Artigo publicado no jornal 'Tribuna de Minas', 27 de outubro de 2011.
Imagem: Criança de Madagáscar Foto@EPA/Kim Ludbrook [on Google]


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