Corrupção como Religião

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011 ·



Assistir aos telejornais tornou-se sinônimo de perplexidade. Há os que criticam o sensacionalismo de alguns programas de veio policial, julgando ver nos apresentadores apenas reafirmações de um país desesperançado, assentado no limítrofe entre as próprias angústias e efêmeros prazeres. Daí o estado atônito de desconsolo, que nasce no olhar ressabiado que encara o aparelho televisor como um algoz: 'Boa noite. Corrupção no Governo: mais 3 indiciados por corrupção na Máquina Pública'... E por aí vai. É impossível pinçar um fragmento que seja das notícias que se avolumam sem que haja pelo menos uma matéria dedicada à corrupção. Já dizia Émile Durkheim (1858-1917) que 'a religião é coisa eminentemente social'. [Nesse caso, o sociólogo francês não se referia à política, e sim aos atos religiosos propriamente ditos.] É razoável o questionamento sobre a plausibilidade ou não dessa minha remitência, já que o assunto é 'outro'. E eu explico.

Parece bem claro que a sociedade brasileira adotou um "segmento 'religioso'" marginal, paralelo às religiões tradicionais, como as conhecemos. Os 'rituais' de sonegação, improbidade administrativa, desvio de verbas, despotismos e nepotismos, entre tantos outros ilícitos 'celebrados' como ritos nas sessões ordinárias e extraordinárias dos bastidores legislativos, executivos e judiciários, realizam-se sob a 'bênção' de líderes carismáticos de vários partidos políticos que, sob o 'manto sagrado' da im[p]unidade, protagonizam verdadeiros 'milagres', fantasticamente articulados com vistas a endinheirar ainda mais os templos de Mammon, aliás, os 'templos pessoais' de cada beneficiado.

Os lares brasileiros tornam-se filiais da 'nova religião', a 'corrupção'. Através dos cultos realizados no horário nobre das TVs, a nação testemunha, dia a dia, os pequenos desvãos descobertos pelas investigações policiais, verdadeiros paraísos fiscais e minas de ouro, sob o resvalo do consentimento público. Tornou-se comum compartilhar opiniões sobre as atrocidades morais dos representantes populares. O cidadão comum experimenta a cada dia o desgosto de 'presenciar' as cifras bizarras subtraídas ao erário, subtraídas do próprio cidadão. No entanto, vai-se mais um dia, e outro e outro, e a fantasia 'mítica' da justiça cede espaço ao 'sagrado' consentimento coletivo às ações de corruptos e corruptores. E a fé no amanhã reina uma vez mais. Termina mais uma edição do telejornal. Mais uma enxurrada de 'demônios' é varrida para debaixo dos tapetes. Enquanto isso, a indignação omissa alimenta o mito alienante da 'justiça divina' que há de ser feita sobre 'todos' os homens. Enquanto isso, diviniza-se a corruptela, glamouriza-se os 'deuses do peculato e das fraudes'. A corrupção sagra-se comum. E o pior, a corrupção 'sagra-se'.


                               


Artigo publicado no 'Observatório da Imprensa', ed. 673/SP, em 22 dez 2011. [http://is.gd/P0Id29]
 Imagem: © RIA Novosti. Mikhail Kutuzov on www.en.rian.ru]

2 comentários:

Adriana Riess Karnal disse...
21 de dezembro de 2011 às 16:55  

seu texto está muito bom, agora vc vai ter a chance de escrever muito amigo, no mestrado a gente tem o que dizer, rsrsrs

albuquerque júnior disse...
21 de dezembro de 2011 às 17:52  

[Obrigado, professora Karnal. Desejo um ano novo de intensa produção intelectual para todos nós; que tenhamos a gloriosa oportunidade de promover uma perfeita associação entre a luta das leituras - e sua compreensão e a inspiração, constante. Assim, produziremos trabalhos acadêmicos de excelência. Muita paz, e um ano novo cada vez mais novo a todos nós!]


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