O valor do tempo

segunda-feira, 15 de novembro de 2010 ·






   Na infância, cada minuto é mais intenso; o olhar fugidio é uma procura constante por algo que ainda não se sabe o que é. Daí a necessidade de vasculhar qualquer canto da casa, desarrumar a mesa, fazer bagunça, perambular pelo quintal, quebrar as plantas, as flores – e os vasos, correr pela calçada, guiado apenas pelo sentido da busca por objetos indefinidos e pela satisfação imediata dos pequenos desejos que regulam as intenções mais simples, no universo desconhecido da mente.

   Os anos passam, outras infâncias complementam a esfera do tempo, e a corrente das vidas que habitam esse lapso temporal continua atada às frações de passado que insistem em alardear, a todo instante, flashes de situações remotas, cumprindo uma das funções naturais da existência – manter as lembranças vivas, ativas, pendulando entre o ontem e o agora numa eterna sequência de slides psicológicos.

   E cada pessoa tem suas particularidades: a individualidade, o coletivismo; a sensatez inata, o desvario constante; o apego às coisas simples, a megalomania; a doçura, a rispidez; todos esses comportamentos compondo a dinâmica incognoscível do espectro social, peças do maior quebra-cabeça de que se tem notícia: o sentido da vida humana e seus derivados teóricos, doutrinários e auto-apologéticos.


   Fato é que o coração humano – e sua eterna imaturidade – é uma manjedoura onde repousa a curiosidade. Talvez esteja aí uma das raízes da grande necessidade de saber, conhecer, entender. E assim, a ideia de que as pessoas devem mensurar sua própria capacidade a partir do ponto de vista de que haja uma inteligência padronizada, que busca sempre os níveis elevados de conhecimento, parece não ser o ponto de vista mais sensato a ser considerado na hora de fazer comparações entre um ser humano e outro. Aliás, comparação absurda e impossível, sob uma ótica imparcial e inteligente.


   E trazendo a reboque esse assunto, é imprescindível a lembrança de que “qualquer tipo de unanimidade é burra”, como dizia Nelson Rodrigues; logo, parece oportuno refletir sobre o posicionamento dos que creem que individualidades e comportamentos não devem ser comparados por nenhum padrão predefinido ou critério preestabelecido. Todos são diferentes, como diz o poeta Zeca Pagodinho. “Cada um no seu cada um, deixa o cada um dos outros” explicita a singularidade das diferenças pessoais [já que um é intrometido e o outro tem seu espaço bisbilhotado, conforme o samba Cada Um No Seu Cada Um, de autoria do cantor]. Reflexões pontuais como esta costumam servir de lenha para novas teorias, as mais diversas e bifurcadas que se pode imaginar.





 E enquanto os pensamentos nos conduzem, desbravando estradas desconhecidas da intelecção, os ponteiros do velho Montblanc – pendurado na parede com seu pêndulo banhado a ouro dentro da linda caixa de ébano, assim como o atrevido Rolex, que adorna o pulso do transeunte –, se mantêm fiéis ao compromisso de registrar os instantes que nos aproximam do futuro. Mesmo assim, o elo entre o que já foi visto e o que ainda se ignora, graças à incapacidade humana de conhecer o futuro, se restabelece – continuamente – no espaço, na natureza e dentro de nós.


   E, na guerra diária entre as boas e más notícias, urgem os gritos da memória, trazendo ao presente imagens que os olhos naturais não podem ver novamente; talvez imagens e sensações que não se quer viver de novo, por isso a refutação e indignação com as lembranças. Mas se as flores do passado insistem em emanar um alegre perfume, e os ventos de outros tempos ainda refrescam a calidez da vida, há então motivos suficientes para comunicar ao mundo que as dores e os problemas que se vive hoje são apenas uma fração da linha interminável que conduz o passado ao futuro. E cada parte dessa linha deve ser vivida da melhor maneira possível, já que a palavra dita não volta à inexistência, “as águas de um rio jamais são as mesmas”, e os danos do tempo são irreparáveis”.


[imagens: getty & google]

8 comentários:

O Antagonista disse...
17 de novembro de 2010 às 22:40  

Belíssimo texto.

Só o tempo (o passar dele) para nos ensinar o seu valor. Descobri que estava ficando velho, quando comecei a lembrar com carinho das coisas do passado. Não as deixo ir embora, nem elas a mim. Fizemos um pacto!

Márcia de Albuquerque Alves disse...
19 de novembro de 2010 às 11:48  

O valor do tempo... as vezes a gente nem se dá conta o quanto ele passa rápido e o momento de ser feliz é agora.

bjs, belo texto

Ana Kalil disse...
19 de novembro de 2010 às 21:18  

Olá querido escritor!
Obrigada pelo comentário no meu blog.
Pelo que acabo de ler você também gosta de escrever sobre o tempo e refletir sobre a sua rápida passagem...e vamos amadurecendo, com lágrimas, risadas, situações diversas. E a impressão que tenho é que ele está passando tão rápido! Mas não é ele que passa rápido, é o mundo das pessoas que quer que ele passe rápido. Ficamos protelando nossa felicidade, a um evento incerto, e com isso vamos sempre deixando para depois. E quando percebemos, o tempo passou. A juventude feneceu. Por isto temos que ter a consciência de sempre nos alegrarmos com as coisas pequenas, corriqueiras, e parara de ficar esperando o incerto.
Gostei muito do que você escrveu, da forma peculiar e sensível como escreve.

OBS: Ah, e por favor...não sou senhora...o tempo ainda não passou tanto para mim (rs).
Esteja sempre a vontade no meu blog.
Bjos e fica com Deus

Priscilla Marfori... disse...
21 de novembro de 2010 às 11:19  

Oi querido, obrigada por me seguir, farei o mesmo aqui, seu espaço é muito interessante!
Te farei visitas sempre...
=)
B-Jos.

Ruth.Lima disse...
30 de novembro de 2010 às 23:00  

Lindo texto.
Não me canso de ler ! rsrsr

Tenho 16 anos, e acredito
que usei bem o tempo que tive
na minha infância, mas poderia
ter sido mais aproveitado.Hoje vejo criancinhas que não se importam mais
com "brincadeiras de crianças", cantigas, correr... Infelizmente as crianças de hoje não sabem aproveitar
o tempo que tem para infância e se tornam mais velhas cedo. :S

É por isso que temos que viver bem cada fase da nossa vida.Se deixar p/ depois pode ser tarde demais, e não será mesma coisa.
E também, dar valor p/ coisas simples da vida, porque são elas
que realmente fazem parte de nós.
como por exemplo: Um bom Dia.

Ruth.Lima disse...
30 de novembro de 2010 às 23:21  

Lindo texto! :)

Eu soube usar bem o meu tempo de infância, mas poderia ter sido mais aproveitado! Estou satisfeita!
Mas infelizmente os pensamentos das crianças de hoje é diferente (uma sociedade muito corrompida) as brincadeiras de crianças se tornam tão distantes, já não brincam como antes...E mais uma vez o consumismo prevalece e invade as mentes das crianças, criando fantasias que não existem, que acaba impedindo as crianças de uma infância saudável.É por isso que temos que "viver bem" cada fase da vida, e não deixar pra depois... Porque pode ser tarde de mais, e com certeza não será a mesma coisa.
E também dá valor as coisas simples da vida, que às vezes nem damos tanta importância, como por exemplo: Um bom dia, seja lá a pessoa que for. Todos são dignos de "Um bom dia”.

Ruth.Lima disse...
30 de novembro de 2010 às 23:22  

Lindo texto! :)

Eu soube usar bem o meu tempo de infância, mas poderia ter sido mais aproveitado! Estou satisfeita!
Mas infelizmente os pensamentos das crianças de hoje é diferente (uma sociedade muito corrompida) as brincadeiras de crianças se tornam tão distantes, já não brincam como antes...E mais uma vez o consumismo prevalece e invade as mentes das crianças, criando fantasias que não existem, que acaba impedindo as crianças de uma infância saudável.É por isso que temos que "viver bem" cada fase da vida, e não deixar pra depois... Porque pode ser tarde de mais, e com certeza não será a mesma coisa.
E também dá valor as coisas simples da vida, que às vezes nem damos tanta importância, como por exemplo: Um bom dia, seja lá a pessoa que for. Todos são dignos de "Um bom dia”.

Sandro Azevedo disse...
12 de dezembro de 2010 às 12:52  

Ótimo texto.. boa percepção do tempo. Sou facinado por esse tema e já fiz algusn textos e vídeos sobre. Ingmar Bergman conseguia levantar questões e dizer muito sobre o tempo... vou re-ler o texto quando for produzir mais algum vídeo sobre isso... bacana!
Abração! Visite-me se puder!

Sandro Azevedo
blog24fps.blogspot.com


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Espaço de conteúdo [basicamente] acadêmico. Ainda em construção, este blog publica textos entregues em trabalhos da faculdade, além de pensamentos e comentários do próprio autor. A intenção é justamente essa: que você leia e critique. Que você goste ou não. Dividem a responsabilidade comigo os que comentam neste espaço.

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