Midiatização da fé [parte 1]

segunda-feira, 22 de novembro de 2010 · 5 comentários

[...religião & mídia é um tema que sempre me chamou a atenção; a força influenciadora dos meios de comunicação (mais especificamente a TV) é indiscutível, mas ainda acredito na supremacia do conhecimento, que torna o ser humano menos vulnerável a qualquer tipo de influência – boa ou má... quero “blogar” um ensaio sobre esse assunto, e conto com sua ajuda... quem sabe a gente não aprende mais sobre isso?]




   Astolfo chegou em casa cansado. Também pudera; as horas extras não estavam no script, e consumiram a reserva de energia que ele esperava aplicar em outra coisa... Depois da ducha, assumiu seu reinado no sofá novo, no centro da sala, comprado há seis dias. Não se passaram nem cinco segundos e a percepção do nosso amigo atinou que ele teria que se levantar novamente, pois o controle remoto da TV estava debaixo do sofá. Do outro sofá, do outro lado da sala. Com um sorriso irônico – e a velha resmungada – moveu-se de onde estava e apoderou-se, o rei do sofá, de seu cetro zapeador. TV ligada...


   Você já deve ter percebido que não é tão difícil encontrar um programa religioso na grade de programação da maioria das emissoras de TV. Talvez seja o contrário. Talvez não seja tão fácil a gente deixar de se deparar com artistas religiosos cantando suas rimas – às vezes segregadas de sentido –, ou de outros líderes quaisquer, das batinas em cetim aos luxuosos ternos de microfibra em risca de giz, das melhores grifes. Isso não vem ao caso. O terreno em que estamos pisando é minado. Trata-se de uma pescaria especializada.


   Ora, segundo a Bíblia, Cristo ensinou que seus seguidores deveriam tornar-se “pescadores de homens” [livro de Mt 4.19, ss]. Mas na ocasião, há mais de 2000 anos, a intenção do Messias deveria ser bem diferente da ideia que norteia os referenciais ideológicos dos “messias” modernos, que atingem um público enesimamente superior ao de outros tempos. Os dois irmãos da passagem bíblica citada acima, a saber, Simão [Pedro] e Tiago, como pescadores que eram, preparavam suas redes para o sustento de suas famílias. Nesse caso, porém, é quase certa minha teoria de que eles ainda não tinham, como o Astolfo, um aparelho de TV em suas casas. Então a fé que cada um deles nutria no coração era [re]alimentada através de palavras, dirigidas pessoalmente a um target menos amplo que os atuais, numericamente incomparável, uma analogia absurda, convenhamos – sob a perspectiva geográfica, esse público não cresceu tanto assim, proporcionalmente.

    A crítica destrutiva a uma religiosidade midiatizada não é a intenção deste post, até por razões claras de sociabilidade; devemos admitir que o elemento humano é dotado de uma sensibilidade que embute, em cada criatura, uma regra in nata de filtragem de conteúdo. A maneira como cada pessoa utiliza seu tempo diz respeito a sua particularidade, e romper essa individualidade vai além da falta de ética. A ideia aqui é apenas promover uma reflexão, do ponto de vista epistemológico, sobre a influência da atividade religiosa nos veículos de comunicação.

   O tema é interessante, uma vez que perscruta questões "intocáveis", quase tabuísticas, por assim dizer. Afinal de contas, como célula social, diviso o direito a uma manifestação analítica – ressalvadas minhas limitações, claro –, sobre um dispositivo muito poderoso que emerge na consciência que fora alimentada por uma ideologia que direciona o homem no sentido de buscar razões para sua existência – a fé.

   Quando acionou o power do controle remoto, Astolfo ouviu uma voz que dizia:

   – “Talvez este seja o seu último dia, meu amigo!”

   Surpreso, não zapeou de imediato, e manteve sua atenção no programa que o despertou para a realidade de que a vida não dura para sempre. Também, o programa não perdia em nada para os realities, tamanha qualidade do audiovisual produzido. Aliás, na religião midiática, entretenimento é um dos pontos que merecem destaque. Mas aí é outra história.

   Monologando intimamente, Astolfo admitiu que estava cansado. A essa altura, esquecera das horas extras e dos aborrecimentos que teve que engolir num dia de expediente, por assim dizer, atípico. Despertou na manhã seguinte e foi para o trabalho. Outro dia, “outra vida”, outras perspectivas poderiam surgir. Porque “hoje pode ser o seu último dia”.

   [continua...]


[imagens: google]

O valor do tempo

segunda-feira, 15 de novembro de 2010 · 8 comentários






   Na infância, cada minuto é mais intenso; o olhar fugidio é uma procura constante por algo que ainda não se sabe o que é. Daí a necessidade de vasculhar qualquer canto da casa, desarrumar a mesa, fazer bagunça, perambular pelo quintal, quebrar as plantas, as flores – e os vasos, correr pela calçada, guiado apenas pelo sentido da busca por objetos indefinidos e pela satisfação imediata dos pequenos desejos que regulam as intenções mais simples, no universo desconhecido da mente.

   Os anos passam, outras infâncias complementam a esfera do tempo, e a corrente das vidas que habitam esse lapso temporal continua atada às frações de passado que insistem em alardear, a todo instante, flashes de situações remotas, cumprindo uma das funções naturais da existência – manter as lembranças vivas, ativas, pendulando entre o ontem e o agora numa eterna sequência de slides psicológicos.

   E cada pessoa tem suas particularidades: a individualidade, o coletivismo; a sensatez inata, o desvario constante; o apego às coisas simples, a megalomania; a doçura, a rispidez; todos esses comportamentos compondo a dinâmica incognoscível do espectro social, peças do maior quebra-cabeça de que se tem notícia: o sentido da vida humana e seus derivados teóricos, doutrinários e auto-apologéticos.


   Fato é que o coração humano – e sua eterna imaturidade – é uma manjedoura onde repousa a curiosidade. Talvez esteja aí uma das raízes da grande necessidade de saber, conhecer, entender. E assim, a ideia de que as pessoas devem mensurar sua própria capacidade a partir do ponto de vista de que haja uma inteligência padronizada, que busca sempre os níveis elevados de conhecimento, parece não ser o ponto de vista mais sensato a ser considerado na hora de fazer comparações entre um ser humano e outro. Aliás, comparação absurda e impossível, sob uma ótica imparcial e inteligente.


   E trazendo a reboque esse assunto, é imprescindível a lembrança de que “qualquer tipo de unanimidade é burra”, como dizia Nelson Rodrigues; logo, parece oportuno refletir sobre o posicionamento dos que creem que individualidades e comportamentos não devem ser comparados por nenhum padrão predefinido ou critério preestabelecido. Todos são diferentes, como diz o poeta Zeca Pagodinho. “Cada um no seu cada um, deixa o cada um dos outros” explicita a singularidade das diferenças pessoais [já que um é intrometido e o outro tem seu espaço bisbilhotado, conforme o samba Cada Um No Seu Cada Um, de autoria do cantor]. Reflexões pontuais como esta costumam servir de lenha para novas teorias, as mais diversas e bifurcadas que se pode imaginar.





 E enquanto os pensamentos nos conduzem, desbravando estradas desconhecidas da intelecção, os ponteiros do velho Montblanc – pendurado na parede com seu pêndulo banhado a ouro dentro da linda caixa de ébano, assim como o atrevido Rolex, que adorna o pulso do transeunte –, se mantêm fiéis ao compromisso de registrar os instantes que nos aproximam do futuro. Mesmo assim, o elo entre o que já foi visto e o que ainda se ignora, graças à incapacidade humana de conhecer o futuro, se restabelece – continuamente – no espaço, na natureza e dentro de nós.


   E, na guerra diária entre as boas e más notícias, urgem os gritos da memória, trazendo ao presente imagens que os olhos naturais não podem ver novamente; talvez imagens e sensações que não se quer viver de novo, por isso a refutação e indignação com as lembranças. Mas se as flores do passado insistem em emanar um alegre perfume, e os ventos de outros tempos ainda refrescam a calidez da vida, há então motivos suficientes para comunicar ao mundo que as dores e os problemas que se vive hoje são apenas uma fração da linha interminável que conduz o passado ao futuro. E cada parte dessa linha deve ser vivida da melhor maneira possível, já que a palavra dita não volta à inexistência, “as águas de um rio jamais são as mesmas”, e os danos do tempo são irreparáveis”.


[imagens: getty & google]

Boa notícia

sexta-feira, 12 de novembro de 2010 · 3 comentários


                                                                                                         google images



Têm sido raros os momentos em que os veículos de comunicação trazem informações que alegram o coração da sociedade. Pelo contrário, É incrivelmente notório o espetáculo exibido pela imprensa, divulgando toda sorte de infortúnios, de desastres. A esperança de um mundo melhor cede lugar ao desespero; os menos privilegiados continuam sofrendo as mazelas causadas pelos poderosos de coração insensível, que detêm o poder de fazer, mas nada fazem pelos desvalidos.


A imprensa, no entanto, é apenas serviçal da comunidade e “não tem culpa” pelo coração avaro dos corruptos, que ceifam o sangue dos súditos, enquanto limpam com seda as solas de seus caros sapatos. Mas não pára por aí. Os quadros que os artistas de Brasília pintam todos os dias não é diferente dos pintados  nas Assembleias Legislativas ou nas Câmaras Municipais. Pior ainda. A tinta usada nessas obras de arte é fornecida pelo povo. O mesmo povo que reclama da barbárie que sofre.

O povo que assiste, ouve e lê os noticiários é o mesmo que põe a coroa na cabeça dos desonestos. Elevam a reis os que nenhum compromisso têm com a verdade e com a justiça. “E assim caminha a humanidade”. É triste e difícil, mas não se vislumbra no horizonte nenhuma perspectiva de mudanças. O calabouço ainda encarcera só os pobres, só os que não têm “poder de fogo” para burlar as linhas da legalidade. Apesar de tudo isso, resta ainda uma boa notícia, que reúne em si ingredientes essenciais capazes de mudar o mundo, se os homens se propuserem refletir a respeito: o céu continua azul, ainda respiramos – um ar imundo, é verdade, mas respiramos –, e os seres humanos ainda continuam humanos.

Pelo menos parece. Não se sabe até quando.


[este texto foi publicado no jornal Tribuna de Minas, Seção Opinião, edição de 19 nov 2010.
veja em  ]





As mesmas pedras do passado

quinta-feira, 4 de novembro de 2010 · 3 comentários


Recebi, nesta quinta-feira, mais um e-mail convocando o mundo à causa da iraniana condenada. Acredito em algumas convicções que tenho, e que me levaram a responder, de maneira simples e sincera.

[Complicado, e muito triste. É mais um rastro de algumas heranças vis.
...Mas a acusada nasceu no Irã, conhece os preceitos de seu país. E transgrediu esses preceitos.
E em 2006, aos 43 anos, foi condenada por adultério.
Logo, uma alegação cabível para uma não-execução seria a alienação total da acusada, que desconheceria o que vem a ser “adultério”.
Mas acredito que ela sabia do que se tratava - e dos riscos que corria - [com sensatez, deixemos de lado os desatinos amorosos, quaisquer problemas conjugais que não nos dizem respeito e sejamos razoáveis].

Acho horrível e indecoroso o atraso em que eles vivem.
Todavia, quando um país se mete em questões alheias, dá liberdade a que o invadido passe a invasor, e por aí vai. Já se metem no enriquecimento de urânio do país, agora querem interferir no código penal iraniano...

Ora, temos muitas desgraças sociais aqui no Brasil para serem resolvidas.
Mas não, as pessoas preferem se preocupar com as questões político-religiosas que originaram a preceituação constitucional daquele país.
Consternação à família, aos filhos.  E que se cumpra a lei iraniana. E que mudem essa lei, não é? E isso não é função do Ocidente que, aliás, já se intrometeu demais no que não devia, durante a história.

É apenas uma opinião, como tantas outras... transitória.
Só não é tão transitória quanto as marcas de sangue que lavam o solo iraniano todos os dias.
E o que dizer das outras? Sakineh Ashtiani é a primeira? O mais provável é que ela não seja a última.

Mas ao que tudo indica, os poderios políticos e a influência ocidental deixarão suas marcas na história, mais uma vez;
Pelo menos, na tentativa de uma interveniência que visa algo mais importante que a hegemonia econômica - a vida.
Mas não se deve esquecer os detalhes da história. O machismo do Oriente não nasceu ontem. E é improvável que morra amanhã.]



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E-MAIL ORIGINAL

De: Alice Jay - Avaaz.org [mailto:avaaz@avaaz.org]
Enviada em: quinta-feira, 4 de novembro de 2010 18:14
Para: JR.ALBUQUERQUE@GMAIL.COM
Assunto: Salvem a Sakineh - estão nos escutando!

É quinta-feira e a Sakineh continua viva. Um número surpreendente de 500.000 pessoas enviaram mensagens para governantes em um dia -- eles estão respondendo rapidamente, contactando diretamente o Irã! A nossa pressão está funcionando, mas precisamos continuar para mantê-la viva -- assine e encaminhe este alerta para seus amigos:

Caros amigos,
Hoje, Sakineh Ashtiani poderá ser morta pelas autoridades iranianas. Já a salvamos do apedrejamento e agora temos 12 horas para conseguir que as principais autoridades do mundo se mobilizem com urgência para impedir esta vergonhosa execução:
Hoje, Sakineh Ashtiani poderá ser executada pelo Irã.

Nosso protesto mundial impediu que Sakineh fosse apedrejada injustamente em julho. Agora temos 12 horas para salvar a vida dela.

Os aliados do Irã e as principais autoridades da ONU são nossa maior esperança: eles podem convencer o Irã do sério custo político desse assassinato de uma figura com alta exposição na mídia. Clique no link abaixo para enviar a eles um pedido urgente de mobilização e encaminhar este e-mail a todo o mundo. Você só gastará três minutos. A última esperança de Sakineh somos nós

http://www.avaaz.org/po/24h_to_save_sakineh/?vl

O caso de adultério de Sakineh é um trágico embuste cheio de violações de direitos humanos. Primeiro, ela foi condenada à morte por apedrejamento. Porém, o governo iraniano teve de anular a sentença depois que os filhos dela conseguiram gerar um enorme protesto contra o julgamento injusto; Sakineh não fala a língua usada nos tribunais e os alegados incidentes de adultério aconteceram após a morte do marido dela.

Em seguida, o advogado dela foi forçado a se exilar e a acusação conseguiu inventar uma nova queixa falsa que justificaria a morte de Sakineh: o assassinato do marido dela. Apesar de isso configurar um caso de “non bis in idem” (dois julgamentos pelo mesmo crime), pois ela já está cumprindo pena por suposta cumplicidade nesse crime, Sakineh foi torturada e exibida em rede de televisão nacional para “confessar” e acabou sendo julgada culpada. O regime já prendeu dois jornalistas alemães, o advogado e o filho de Sakineh, que tem corajosamente liderado a campanha internacional para salvar a mãe. Todos continuam na prisão. O filho e advogado de Sakineh também têm sido torturados e estão sem acesso a advogados.

Agora, ativistas de direitos humanos iranianos afirmam que acaba de ser emitido um mandado de Teerã para executar Sakineh imediatamente. Ela está na lista e hoje é o dia da execução.

Campanhas persistentes fizeram o Irã anular a sentença de apedrejamento de Sakineh e atraíram a atenção de dirigentes de países que exercem influência sobre o Irã, como a Turquia e o Brasil. Agora, vamos todos erguer nossas vozes com urgência para impedir que Sakineh seja executada e sofra tratamento desumano e para libertar a própria Sakineh, seu filho e advogado e os jornalistas alemães. Envie uma mensagem para divulgar este pedido de emergência com amigos e familiares:

http://www.avaaz.org/po/24h_to_save_sakineh/?vl

Um grande protesto público tem a autoridade moral para impedir crimes atrozes. Vamos usar as 12 horas que temos para enviar uma mensagem clara: o mundo está de olho no Irã e todos estamos unidos para salvar a vida de Sakineh e contra a injustiça em qualquer lugar do mundo.

Com esperança e determinação,

Alice, Stephanie, Pascal, Giulia, Benjamin e toda a equipe da Avaaz

Fontes:

Parlamento europeu elogia adiamento da execução de iraniana:
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI4770433-EI8142,00-Parlamento+europeu+elogia+adiamento+da+execucao+de+iraniana.html

França critica Irã por condenação de Sakineh Ashtiani:
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI4768877-EI8142,00-Franca+critica+Ira+por+condenacao+de+Sakineh+Ashtiani.html

Dilma condena apedrejamento da iraniana Sakineh:
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2010/11/03/dilma-condena-apedrejamento-da-iraniana-sakineh-337843.asp

Petição para impedir a execução eminente de Sakineh Mohammadi Ashtiani (em inglês):
http://www.guardian.co.uk/world/2010/nov/03/sakineh-mohammadi-ashtiani-execution


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Espaço de conteúdo [basicamente] acadêmico. Ainda em construção, este blog publica textos entregues em trabalhos da faculdade, além de pensamentos e comentários do próprio autor. A intenção é justamente essa: que você leia e critique. Que você goste ou não. Dividem a responsabilidade comigo os que comentam neste espaço.

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