Religião & Política

sábado, 5 de dezembro de 2009 ·





O Sermão coadjuva o Estado




Mediocridade não é apenas insuficiência de qualidade, meio termo entre a opulência e a pobreza. Pode ser também o estado febril que acomete os perplexos e alienados. Indecisos quanto aos próprios desejos, muitos se negam a buscar conhecimento. Não por causa das próprias convicções, mas pela ausência delas. Sem saber o que acontece nos bastidores dos impérios religiosos, fiéis de todas as classes, raças e credos alimentam a máquina abstrata que concretiza as realizações de seus santos líderes. É fácil entender. Uma batina, terno ou qualquer indumentária característica faz as vezes das cortinas de um teatro. Intérpretes de um mundo irreal e verdadeiro trazem à mente do esfomeado as lembranças de grandes vitórias, resenhadas nos mais diversos e sagrados livros. Através da loquacidade, grandes nomes proliferam verdades eternas, trazendo a eternidade a uma sociedade tão efêmera quanto nunca antes.




A história não nos mente




Um show, para ser grande, precisa ser um grande show. Quando a imagem das forcas, fogueiras, racismo e preconceitos brilham à nossa frente, sentimos que se afugenta de nós a ignorância. A história não mente quando nos mostra a origem dos sistemas políticos, dos leitos combinados, das monarquias forjadas para a manutenção dos nepotismos, no enriquecimento dos embaixadores dos céus, na formação de estados e regimes de governo sob a luz e guarda da santa igreja e etc. Foi, é e sempre será um grande show. A sociedade precisa de um líder. As pessoas não sabem caminhar sozinhas. Se têm fome, não têm a mínima noção do que a origina. Provação divina, manifestações sobrenaturais e um espiritualismo desenfreado que venda a racionalidade, são algumas entre as milhares e milenares respostas que a engenhosa mente humana articula para encobrir a desgraça que é sua própria insuficiência. A crise econômica agora ganha outro nome, chama-se vontade ou permissão divina. A pobreza, mesma coisa.




Enquanto isso, por trás do pano de boca, onde a peça é ensaiada, os poderosos membros das elites religiosas programam seus discursos. O toque final, que dará beleza e graciosidade à gramática às vezes nem tão afinada – mas bem afiada – dos pregadores da prosperidade, será a palavra-chave, a solução de todos os problemas e desencantos que permeiam a psique humana, mas sempre na esfera individual. O campo social é quase esquecido pela prole da inquisição ou pelos reformistas da nova atualidade. Não se fala em reforma social. Nem em reforma política. Nem em transformação coletiva. O passado permanece. Um novo quadro se pinta a cada dia, mas com imagens velhas, tornando pitorescos os discursos sensatos e realistas, que cedem lugar a belas poesias contemporâneas, que alimentam a sede, a fome e a continuidade de um país sem território, sem vergonha, despudorado e achincalhado por tantas mazelas do poder público.





“Pedimos seu apoio”




Não se deve esquecer que o poder é alcançado, muitas vezes, por meio da religião. O personagem que macula a imagem do país é o mesmo que se ajoelha à frente do povo pedindo a bênção da vitória nas urnas. Com o apoio da classe religiosa, muitos cães assumem o lugar dos leões, e com isso o reinado da selva fica comprometido. A cada dia, cresce a multidão de miseráveis. Esses mesmos miseráveis agem como vítima e carrasco, na medida em que atribuem divindade a atos mesquinhos e fajutos por não serem detentores de um mínimo de sensibilidade, que lhes é ofuscada ainda mais pela falta de caráter e pela abundância de verborragias sofismadas, ministradas por quem só tem interesse em ver o crescimento do próprio curral.




Enquanto isso, a história continua a ser escrita, e o pobre cada vez mais pobre. A intrepidez dos altares não ultrapassa a porta dos templos nem das mesquitas. Isso porque o jogo de interesses naufraga o bom senso e a justiça. Alguém tem que ganhar, sempre. E esse alguém é sempre um alguém que já detém muito e, por já o deter, encontra facilidades no manípulo das mentes perdidas. É um fato lógico, já que a instrumentação requerida para manipular grandes massas não é o talento em si, mas subsídios para amplificar o raio de ação (a mídia é a grande arma), na arte da criação de uma nova realidade, o mundo da esperança, onde os problemas são aniquilados. Mas outro problema, não menos grave, fica insolúvel: O conclave dos manipuladores não é desfeito. Nunca foi e parece que nunca será. A razão parece óbvia, mas se torna obscura, pois a manta que cobre o frio dos desalentados também oculta uma realidade bem menos santa. Na fusão do sagrado e do profano uma oração solene é ouvida, na penumbra do teatro. “Em nome do bem faça-me o bem, que eu também o faço”.

3 comentários:

Lara Amaral disse...
8 de dezembro de 2009 às 12:11  

Olá, Albuquerque.

Texto interessante, polêmico e bem escrito.

Não entrarei na discussão, pois me atenho à poesia e olhe lá, hehe, cada um se expressa da forma que se sente à vontade, né?

Pelo que vc me disse no e-mail, acho plausível vc fazer o mestrado em ciências da religião, já que vc gosta de levantar essas questões da interferência religiosa no governo de forma geral.

Continue escrevendo e se aprofundando nessa área, pois com certeza ela dá "muito pano para manga".

Parabéns pelo blog e pela escrita bem formulada.
Abraços.

Catiaho Reflexod'Alma disse...
8 de dezembro de 2009 às 23:03  

Ei!
Precisamos escrever mais sobre esse ponto, bem como precisamos ler mais também.
Para que?
Para que sejam amplamente discutidos...pois somente o debate
descortinará o visão do real cenário.
Do que que não se fala não há necessidade de posicionamento, pois o que cala ...
Adorei assar por aqui, volto.

Bjins entre sonhos e delírios

Natália Possas disse...
13 de dezembro de 2009 às 13:49  

Oi Júnior, adorei seu comentário em meu texto. Demorei a responder, pq na verdade, meu blog está abandonado nesse fim de período sem tempo.
O poema de Sto Agostinho é maravilhoso! Nossa, ele deixa tudo tão simples e suave. Seu blog é ótimo, suas reflexões são bem formuldas e levantam discussões sobre assuntos, que devem semrpe ser lembrados. Você faz isso de forma inteligente. Parabéns! Vou passar sempre por aqui. Abs!


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Espaço de conteúdo [basicamente] acadêmico. Ainda em construção, este blog publica textos entregues em trabalhos da faculdade, além de pensamentos e comentários do próprio autor. A intenção é justamente essa: que você leia e critique. Que você goste ou não. Dividem a responsabilidade comigo os que comentam neste espaço.

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