Pausa para Prosa

domingo, 20 de dezembro de 2009 · 1 comentários






Os pensamentos



Todos os dias eles aparecem,
Cada um com seu jeito, com sua forma.
Como seres humanos, parecem até ter vida própria
Querem nos persuadir e, às vezes, até conseguem.
Vêm nos cercar com suas ondas tão turbulentas,
E o marulho que produzem atordoa a percepção.
Deixam-nos à mercê de seus desígnios e planos,
Desencorajam-nos a dizer a verdade naqueles momentos,
Ludibriam-nos com tanta astúcia...


Ah, estes monumentos abstratos que possuímos ou que nos possuem quando nos entregamos aos deleites do incoerente;
Eles nos levam tão longe, e se deixarmos, nos roubam a paz e nos submergem na inércia da improdutividade intelectual.


Sim, nos deixam desamparados e sem recursos, pois a nossa audácia e intrepidez são inúteis diante de tamanha capacidade de desorganizar idéias, desestruturar intenções, modificar conjunturas e transições.


Possuem uma gama diversificada de ferramentas e trabalham quase que articuladamente, formando conexões com o que há de mais dissuasivo e influente no mundo invisível, no irreal e verdadeiro mundo da imaginação...


São capazes até de desmotivar sonhos, deliberar absurdos inconcebíveis, transformar  vontades efêmeras em atos irrefletidos, isso instantaneamente.
Fazem o corpo vibrar em sintonia com seus medos e anseios, assim como as mãos que tremem quando na presença do sagrado objeto de desejo.


A Força com que se manifestam dentro de nós mostra o quanto somos frágeis quando se trata de encararmos o incomensurável universo interior, pois nenhum mortal pode ver a alma, ainda que ela se reflita e externe sua presença nas lágrimas do ser mais inocente, o que a torna um soldado indestrutível, com sua poderosa retaguarda - o exército de pensamentos - que, mesmo com um tom meigo e brando, lançam voz de prisão e nos submergem no caos da incerteza.


Eles são muitos: visitantes, aqueles transeuntes que dão um leve sorriso e logo se vão e não mais os vemos; residentes, aqueles que trazem tudo, da ninharia de suas tralhas até o ofuscar de seus brilhantes, e resolvem fazer morada no tabernáculo da nossa consciência.


São eles! São eles! São eles!
Tome muito cuidado com estes nossos delírios imanentes...
Deveríamos ser seus senhores, e não ficar de joelhos ante a espada de seu jugo...
Mas será que conseguiremos ludibriar a perícia desses envoltos companheiros, por vezes tão amigos ou tão reveses?
Não sei.
Só posso prometer a tentativa de filtrar seus ideais, mas são eles que sentenciam a densidade e a intensidade da sua investida.
Somos apenas nós.
E eles?
São eles! São eles! São eles!








Pausa para Prosa

domingo, 13 de dezembro de 2009 · 4 comentários








O amanhã de ontem



Machuca-me, tortura-me, despreza-me
traz-me o vislumbre da realidade...
Ofusca-me a esperança, no estiar dos tormentos,
deixa-me a estigma na alma...
torna seca a folhagem de meus arvoredos,
produz-me o choro virtuoso, na virtuose da tristeza
em suas virtudes...
Pequenos grandes instantes
Grandes pequenos momentos
Vicissitude ralhada...
Leva-me a contornar o inexistente
Faz inexistentes os contornos
Torna incontornável a existência
Produz o existir da cólera
Traz a cólera da existência
Esse dia, ah, esse agora...
Faz-me provar nos lábios o gosto das lágrimas
Faz-me enxergar o livreco que represento
ante os livros da história, na história dos livros, ante a história dos outros...
Faz-me nu, ante a riqueza alheia
Avilta o amor que abrigo no peito,
Leva-me ao monte, ao calvário,
Crucifica-me o dia todo;
Deflagra o meu caos.
Degenera o meu pudor, macula meus olhos
Torna-me delinqüente, inconseqüente de mim mesmo,
leva-me à lua, a mostrar-me a “independência” de um astro iluminado;
Conduze-me ao sol, no infortúnio de levar-me a perceber que não possuo grandeza alguma ante a quinta arte e soberania desse astro;
Faz-me abstrato, transparente, translúcido, opaco
Suja-me a face, lança-me no ocaso;
Revela meus erros, todos eles;
Faz-me sofrer, eterniza a angústia
Angustia essa efêmera eternidade...
Amarra-me e corta-me os pulsos,
Lança-me no porão dos mártires,
na masmorra da tristeza incoerente,
deleitada na controvérsia da experiência...
E nesse oceano de tristezas incertas e de incertezas tristes,
me atraca ao pelourinho,
a fim de castigar-me por causa dos meus sonhos...
Torna minha poesia muda, e surda à realidade;
Faz-me eu mesmo. Apenas eu. Apenas isso.
Esse instante. Só isso.
Mostra-me ser filho do ontem e pai do amanhã;
Primo do passado,
Irmão incestuoso do futuro.
É hoje, só isso.



Do que vale a poesia, se minha prosa não tem valor?


Religião & Política

sábado, 5 de dezembro de 2009 · 3 comentários





O Sermão coadjuva o Estado




Mediocridade não é apenas insuficiência de qualidade, meio termo entre a opulência e a pobreza. Pode ser também o estado febril que acomete os perplexos e alienados. Indecisos quanto aos próprios desejos, muitos se negam a buscar conhecimento. Não por causa das próprias convicções, mas pela ausência delas. Sem saber o que acontece nos bastidores dos impérios religiosos, fiéis de todas as classes, raças e credos alimentam a máquina abstrata que concretiza as realizações de seus santos líderes. É fácil entender. Uma batina, terno ou qualquer indumentária característica faz as vezes das cortinas de um teatro. Intérpretes de um mundo irreal e verdadeiro trazem à mente do esfomeado as lembranças de grandes vitórias, resenhadas nos mais diversos e sagrados livros. Através da loquacidade, grandes nomes proliferam verdades eternas, trazendo a eternidade a uma sociedade tão efêmera quanto nunca antes.




A história não nos mente




Um show, para ser grande, precisa ser um grande show. Quando a imagem das forcas, fogueiras, racismo e preconceitos brilham à nossa frente, sentimos que se afugenta de nós a ignorância. A história não mente quando nos mostra a origem dos sistemas políticos, dos leitos combinados, das monarquias forjadas para a manutenção dos nepotismos, no enriquecimento dos embaixadores dos céus, na formação de estados e regimes de governo sob a luz e guarda da santa igreja e etc. Foi, é e sempre será um grande show. A sociedade precisa de um líder. As pessoas não sabem caminhar sozinhas. Se têm fome, não têm a mínima noção do que a origina. Provação divina, manifestações sobrenaturais e um espiritualismo desenfreado que venda a racionalidade, são algumas entre as milhares e milenares respostas que a engenhosa mente humana articula para encobrir a desgraça que é sua própria insuficiência. A crise econômica agora ganha outro nome, chama-se vontade ou permissão divina. A pobreza, mesma coisa.




Enquanto isso, por trás do pano de boca, onde a peça é ensaiada, os poderosos membros das elites religiosas programam seus discursos. O toque final, que dará beleza e graciosidade à gramática às vezes nem tão afinada – mas bem afiada – dos pregadores da prosperidade, será a palavra-chave, a solução de todos os problemas e desencantos que permeiam a psique humana, mas sempre na esfera individual. O campo social é quase esquecido pela prole da inquisição ou pelos reformistas da nova atualidade. Não se fala em reforma social. Nem em reforma política. Nem em transformação coletiva. O passado permanece. Um novo quadro se pinta a cada dia, mas com imagens velhas, tornando pitorescos os discursos sensatos e realistas, que cedem lugar a belas poesias contemporâneas, que alimentam a sede, a fome e a continuidade de um país sem território, sem vergonha, despudorado e achincalhado por tantas mazelas do poder público.





“Pedimos seu apoio”




Não se deve esquecer que o poder é alcançado, muitas vezes, por meio da religião. O personagem que macula a imagem do país é o mesmo que se ajoelha à frente do povo pedindo a bênção da vitória nas urnas. Com o apoio da classe religiosa, muitos cães assumem o lugar dos leões, e com isso o reinado da selva fica comprometido. A cada dia, cresce a multidão de miseráveis. Esses mesmos miseráveis agem como vítima e carrasco, na medida em que atribuem divindade a atos mesquinhos e fajutos por não serem detentores de um mínimo de sensibilidade, que lhes é ofuscada ainda mais pela falta de caráter e pela abundância de verborragias sofismadas, ministradas por quem só tem interesse em ver o crescimento do próprio curral.




Enquanto isso, a história continua a ser escrita, e o pobre cada vez mais pobre. A intrepidez dos altares não ultrapassa a porta dos templos nem das mesquitas. Isso porque o jogo de interesses naufraga o bom senso e a justiça. Alguém tem que ganhar, sempre. E esse alguém é sempre um alguém que já detém muito e, por já o deter, encontra facilidades no manípulo das mentes perdidas. É um fato lógico, já que a instrumentação requerida para manipular grandes massas não é o talento em si, mas subsídios para amplificar o raio de ação (a mídia é a grande arma), na arte da criação de uma nova realidade, o mundo da esperança, onde os problemas são aniquilados. Mas outro problema, não menos grave, fica insolúvel: O conclave dos manipuladores não é desfeito. Nunca foi e parece que nunca será. A razão parece óbvia, mas se torna obscura, pois a manta que cobre o frio dos desalentados também oculta uma realidade bem menos santa. Na fusão do sagrado e do profano uma oração solene é ouvida, na penumbra do teatro. “Em nome do bem faça-me o bem, que eu também o faço”.


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responsabilidade

Espaço de conteúdo [basicamente] acadêmico. Ainda em construção, este blog publica textos entregues em trabalhos da faculdade, além de pensamentos e comentários do próprio autor. A intenção é justamente essa: que você leia e critique. Que você goste ou não. Dividem a responsabilidade comigo os que comentam neste espaço.

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